COVID-19: “cross-talk” entre vírus e hospedeiro na era genômica
Publicado em 05/06/2020

Prof. Dr. Carlos Alberto Werutsky
Médico Nutrólogo e do Esporte
Diretor do Departamento de Nutrologia Esportiva da ABRAN

O novo vírus causador da síndrome respiratória aguda grave (SRAG) SARS-CoV-2 ocorreu em dezembro de 2019 (Wuhan/China), e foi declarado como agente de pandemia pela OMS (Corona Virus Disease 2019 – COVID-19).

Esse novo coronavírus (projeções espiculares da membrana semelhante a coroa/corona do Latim) SARS-CoV-2 possui o maior genoma de RNA da família Coronaviridae, com graus variados de letalidade em todo o mundo.

Relatórios recentes têm postulado que a progressão da doença COVID-19 depende de um “cross-talk” entre vírus e hospedeiro e seus polimorfismos nos diferentes estágios da infecção (Figura).

Figura - Modelo Proposto do Ciclo de Estágios do Novo Coronavírus na     COVID-19

Estágio 1

Ao invadir o hospedeiro, o vírus COVID-19 pode modificar rapidamente a glicoproteína espicular de superfície para evitar a resposta imune, e adaptar-se a outros hospedeiros no futuro. Foram identificadas três mutações (D354, Y364 e F367) localizadas no domínio de ligação ao receptor dessa glicoproteína.

Estágio 2

O vírus SARS-CoV-2 usa o receptor de entrada celular ECA2 (enzima conversora de angiotensina 2) que é expressa em epitélio do pulmão, intestino, rim, vasos sanguíneos, e outros tecidos. A variação genética do receptor ECA2/D (alelo D, deleção) apresentou frequência maior na Europa em comparação com a Ásia e Índia. Os estudos iniciais mostram a maior facilidade de endocitose do vírus com receptor ECA2/D em comparação ao receptor ECA2/I (alelo I, inserção).  Relatórios recentes de análise da expressão do ECA2 em tecidos pulmonares de populações asiáticas, européias e africanas, ainda que inconclusivos, investigam a presença de co-receptores ECA2 para o COVID-19, para descobrir se a abundância varia ou não entre diferentes populações.

Portanto, a variabilidade genética do receptor ECA2-I/D pode modular a capacidade de endocitose do vírus e, finalmente, a gravidade da doença.

Estágio 3

A proteína S (espicular do vírus) é reconhecida pelo receptor celular (rACE2 I/D), é efetuada a ligação e a entrada do vírus na célula facilitada pela serina protease humana (TMPRSS2). O vírus expõe seu RNA, converte sua RNA-replicase e forma um complexo de RNA-réplica-transcriptase. Através da transcrição e replicação, o complexo forma filamentos negativos de RNA que serão traduzidos posteriormente para as proteínas estruturais do vírus.

Em seguida, as proteínas estruturais e o RNA no citoplasma se agrupam em novas partículas virais, que são liberadas das células infectadas por exocitose para infectar outras células.

Os receptores Toll-like (TLR) que detectaram os RNAs virais, participam da estimulação da cascata de produção de citocinas pró-inflamatórias como interleucinas IL-1, IL-2, IL-4, IL-7, IL-10, IL-12, IL-13, IL-17, fator estimulador de colônias de macrófagos (MCSF), fator de crescimento de hepatócitos (HGF), interferon-gama (IFN-γ), fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) dentre outros.

As interações célula-vírus produzem um conjunto diversificado de mediadores imunológicos contra o vírus invasor, cuja resposta adequada da imunidade interna é necessária para eliminar o vírus, caso contrário, resultará em imunopatologia.

Estágio 4

Coletivamente, as partículas virais invadem a mucosa respiratória e infectam outras células, desencadeando uma “tempestade de citocinas”  pró-inflamatórias (pacientes de UTI) como o fator estimulante de colônia de granulócitos (GCSF), proteína induzida por interferon-  (IP-10), proteína quimio-atrativa de monócitos-1 (MCP-1), proteína inflamatória de macrófagos 1A (MIP-1A) e fator de necrose tumoral-alfa (TNF-α ), e que podem amortecer a imunidade adaptativa inata do hospedeiro contra a infecção. Esse aumento da citotoxicidade, estimula um estado superativado dos linfócitos T periféricos que induz à lesão imunológica dos pacientes.

Estágio 5

O vírus SARS-CoV-2 pode causar um longo curso clínico da doença COVID-19.

A coexistência de RNA viral e anticorpos virais específicos (Ab, IgM, IgG) pode implicar numa evasão imune do SARS-CoV-2 do sistema imunológico do hospedeiro.

Sobreviventes da infecção por SARS-CoV-2, possuem anticorpos (e imunização?), e potencialmente podem ser reinfectados ou infectar novos hospedeiros, dando continuidade ao ciclo de estágios do vírus, até a finalização do surto.

A variação genética do perfil imunitário dos hospedeiros em relação ao genoma do SARS-CoV-2 é o que, provavelmente, estabelece as diferenças da evolução do quadro infeccioso, apesar das diferenças epigenéticas e do ambiente entre os indivíduos sedentários, doentes crônicos e idosos, fisicamente ativos, esportistas e atletas.

Referências:

Ballak DB et al. Short-term interleukin-37 treatment improves vascular endothelial function, endurance exercise capacity, and whole-body glucose metabolism in old mice. Aging Cell. 2020 doi: 10.1111/acel.13074.

Bandyopadhyay AR et al. COVID 19: An Epidemiological and Host Genetics Appraisal. Asian J Med Sci. 2020. doi: 10.3126/ajms.v11i3.28569

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