COVID-19: miocinas no “cross-talk” entre vírus e hospedeiro
Publicado em 12/06/2020

Prof. Dr. Carlos Alberto Werutsky
Médico Nutrólogo e do Esporte
Diretor do Departamento de Nutrologia Esportiva da ABRAN

Dentre os grupos populacionais mais suscetíveis à doença severa da COVID-19 estão os idosos (>65 anos) e pessoas portadoras de doenças pré-existentes como diabesidade (DM2 com IMC 30kg/m2), síndrome metabólica, pneumo-cardiopatias e sedentarismo, dentre outras, porque esses doentes apresentam uma inflamação crônica de baixo grau e resistência à insulina, com uma produção contínua de citocinas pró-inflamatórias, principalmente, mas não exclusivamente TNF- e IL-6.

Em contrapartida, indivíduos fisicamente muito ativos produzem miocinas (citocinas antiinflamatórias produzidas por fibras musculares) que exercem efeitos autócrinos, parácrinos ou endócrinos que podem contribuir para a proteção contra a atividade dos inflamassomas (Figura).

Figura - Modelo proposto para os efeitos protetores de altos níveis de aptidão cardiorrespiratória nas respostas pró-inflamatórias da infecção por SARS-CoV-2.

ACE2, enzima de conversão da angiotensina2; MyD88, proteína adaptadora de diferenciação mieloide; TRIF, proteína adaptadora interferon- ; IL, família das interleucinas; Ang, angiotensinas; AMPK, proteino-quinase ativada por mitogênio; TNF- , fator de necrose tumoral-alfa;

A ligação do vírus SARS-CoV-2 ao receptor da ECA2 ativa um grupo complexo de proteínas que reconhecem indutores de inflamação (inflamassomas) e controlam a produção de citocinas pró-inflamatórias (TNFα, IL-6 e IL-1β) que iniciam os processos inflamatórios no pulmão, dando origem aos sintomas clássicos da COVID-19.

O lipopolissacarídeo de origem viral (LPS) e, possivelmente, o vírus SARS-CoV-2, se ligam aos receptores Toll like (TLR) para ativar a cascata da inflamação pela resposta primária do MyD88 ou TRIF, que impacta na ativação da caspase-1 e do fator nuclear B (NF- B) na aceleração da atividade dos inflamassomas.

O treinamento físico (alta aptidão cardiorrespiratória) pode atuar para reduzir as vias inflamatórias por meio de três possíveis mecanismos: [1] reduzindo a expressão dos TLRs; [2] aumentando os níveis de citocinas anti-inflamatórias, como miocinas IL-10 e IL-37, que por sua vez inibem a cascata de inflamação via TLR, e neutralizam a resposta inflamatória induzida pelos inflamassomas; e [3] ativando a AMPK no pulmão, reduzindo o processo inflamatório e permitindo a transformação de Ang II em Ang 1-7.

Presume-se que o fracasso em desenvolver uma resposta imune adaptativa completa na doença COVID-19 possa ser devido à rápida progressão da pneumonia e a diversificação de citocinas pró-inflamatórias como as interleucinas IL-1, IL-2, IL-4, IL-6, IL-7, IL-10, IL-12, IL-13, IL-17, que tornam a qualidade/quantidade dos moduladores imunológicos insuficientes contra o vírus invasor.

Nesse “cross-talk” entre vírus e hospedeiro, os fatores virais incluem tipo de vírus, mutações, carga viral, título viral e viabilidade do vírus in vitro. Por outro lado, as características do indivíduo incluem os fatores genéticos (polimorfismos), idade, gênero, status nutricional e físico, regulação imuno-neuroendócrina, e diferentes grupos étnicos.

Com poucos dados sobre fatores prognósticos, sem vacina ou tratamento anti-viral específico, torna-se muito importante descobrir as estratégias de prevenção, e é urgentemente necessário entender as variações nos estágios da doença, da suscetibilidade entre os indivíduos, sua gravidade e fatalidade em diferentes populações humanas.

A variação genética do perfil imunitário dos hospedeiros em relação ao genoma do SARS-CoV-2 é que, provavelmente, estabeleçam as diferenças da evolução do quadro infeccioso, apesar das diferenças epigenéticas e do ambiente entre os indivíduos sedentários, doentes crônicos e idosos, fisicamente ativos, esportistas e atletas.

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Referências:

Zbinden-Fonsea H et al. Does high cardiorespiratory fitness confer some protection against pro-inflammatory responses after infection by SARS-CoV-2? Obesity (Silver Spring) 2020.doi: 10.1002/oby.22849.

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